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2º PRATA DA CASA | CONHEÇA OS SEMIFINALISTAS: BARBARA SIEBRA — CATEGORIA CONTO

  • Foto do escritor: Casa Brasileira de Livros
    Casa Brasileira de Livros
  • 14 de jul.
  • 6 min de leitura
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SOBRE A AUTORA


Barbara Siebra tem 36 anos, nasceu em Recife, mas é cratense de alma e coração. Cursou Jornalismo na Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) e, após algumas voltas da vida, formou-se em Medicina pela Universidade Federal do Cariri (UFCA). Atualmente, vive em Fortaleza, onde faz residência médica em cirurgia pediátrica. Tem uma labrador chamada Mel, amor da sua vida! E nutre o sonho de, nessas andanças, acrescentar “escritora” à sua biografia.



O CONTO SEMIFINALISTA


Olhos


“Que é que eu tô fazendo aqui, cara?” era a única coisa que passava pela cabeça de Danilo enquanto encarava seu reflexo no espelho. Àquela altura da noite, o banheiro já estava imundo e ele, um pouco além de "meio ébrio". A música alta rolava lá fora, animando a festa, à qual ele havia dito expressamente que não queria ir. Mas os amigos insistiram: vai ser legal, Dan! Bora. Tá mais do que na hora de tirar a Mabi da cabeça.

A Mabi. Talvez a maior responsável pelas olheiras enormes que envelheciam seu rosto em, no mínimo, uns 5 anos. “Olha pra você. Um lixo humano. Pelo menos não precisei me fantasiar”, esboçou um sorriso, sorriso de desespero. “Que é que eu tô fazendo aqui?”. Suspirou fundo.

A Mabi ia passar no apartamento no dia seguinte para pegar o resto das coisas dela. Três livros; um cardigã azul; uma necessaire; a pulseirinha de prata com safiras, presente dos 3 anos. Coube tudo numa caixa. Uma caixa pequena, inversamente proporcional ao peso que aquele fim representava para ele.

Terminar com a Mabi era um dos seus maiores medos. Um pesadelo que se concretizou fazia poucas semanas. Irônico, então, que os amigos julgassem que aquela festa de dia das bruxas seria o lugar ideal para superar a perda do amor de sua vida.

Odiava tudo nas festas de Halloween: as fantasias, o escuro, os sustinhos… Não vou. Insistiram. Barganharam, não precisa se fantasiar! Cedeu. Chegaram. Muitas máscaras, muita fumaça, muito álcool… “Que é que eu tô fazendo aqui?”.

De repente, um sussurro: “Devolve meus olhos”.

Danilo teve um sobressalto. Fazia anos que não ouvia aquela frase. Olhou ao redor, assustado, procurando a dona da voz. Nada. Além dele, só tinha um rapaz quase desmaiado no canto do banheiro.

Virou-se para porta, que estava escancarada, e perguntou:

— Oi? Tem alguém aí? — Silêncio. Falou consigo mesmo — Tá na hora de ir pra casa, né? Já tô até alucinando… — Jogou uma água no rosto, para despertar, e foi procurar os amigos.

— Gui, Léo, tô indo.

— Qual é, Dan? Já? Não, cara. A gente tá só aquecendo, pô.

— Não, cara. Não tô me sentindo muito bem.

— Bebe pelo menos mais uma com a gente!

— Não, não. Já deu pra mim por hoje.

Foi desvencilhando-se de aranhas, morcegos, bruxas, Freddys e Jasons até alcançar a saída. Na calçada, chamou um Uber e acendeu um cigarro enquanto esperava o motorista chegar. A rua estava deserta e pouco iluminada. “Tomara que não demore.”.

— Me dá um trago?

— AH!! — Danilo gritou e logo emendou uma gargalhada. — Nossa, você quase me mata de susto, moça. — Passou o cigarro.

Ela puxou o fumo e soprou bem na cara de Danilo. A fumaça o deixou um pouco tonto ele piscou algumas vezes.

— Desculpa. — E sorriu. Era linda. — Já tá indo embora?

— É, tá tarde. Dia cheio amanhã…

— É? E quais os planos?

— Sabe que… — Ela veio chegando cada vez mais perto. — Nem lembro mais. — Danilo fixou aquele rosto, tão familiar… — A gente se conhece?

— Essa é a sua cantada? Achei que fosse mais criativo. — Ela tinha um ar blasé e uma voz de tédio, mas Danilo estava fascinado.

— Não, não! Não é cantada. Só achei que te conhecesse de algum lugar.

— Talvez dos seus sonhos?

Danilo percebeu que os olhos dela eram pretos, os olhos mais escuros que já vira. Pareciam vazios, só que profundos. Ele se sentia totalmente atraído por aquela escuridão. Era como se dois buracos negros olhassem diretamente para ele.

— Sabe que adorei sua fantasia?

— Gostou?

— Demais! E olha que eu detesto o dia das bruxas e essa besteirada de ficar se fantasiando.

— Por quê? Não vai dizer que você tem medo.

— Ah, sei lá. Só não gosto. Me traz lembranças… — Ela chegou mais perto.

O som da buzina trouxe Danilo de volta à realidade.

— Meu carro chegou.

— Posso ir com você?

— Pra minha casa?

— Pra onde você tiver indo.

— É sério?

Ela abriu a porta e sentou no banco traseiro. Danilo entrou logo em seguida, sem acreditar no que estava acontecendo. Tudo estava tão estranho, quase onírico. Algo o incomodava, era como se ele não tivesse mais vontade própria e só seguisse o fluxo. Ela ditava todas as regras, agora.

— Eu sou o Danilo. Como é seu nome?

— Íris.

O trajeto do bar ao edifício durou 10 minutos que foram percorridos em silêncio. Pegaram o elevador e subiram até o 7º andar.

— Fica à vontade, tá? Quer beber alguma coisa?

— Não, tô bem. Obrigada.

— Você é daqui mesmo?

— Não, tô de passagem. E você?

— Eu nasci no litoral, mas meus pais se mudaram pra cá quando eu ainda era criança. Tinha 6, 7 anos. Por aí.

— Você gostava de morar perto da praia?

— Ah, acho que não. Não lembro direito, faz tanto tempo, sabe? Só lembro que odiava o meu quarto de lá.

— Por quê?

— Sentia medo. As noites eram terríveis, sempre tinha pesadelos e acordava gritando de madrugada. Minha mãe, coitada, vivia cansada. Porque era ela quem ia me acalmar, dizer que tava tudo bem e tal.

— E com o que você sonhava?

Por um segundo, Danilo ficou sério. Depois, balançou a cabeça como quem afasta um pensamento absurdo.

— Olha, Íris. Não me leva a mal, tá? Eu tô morto de sono. Hoje tá sendo um dia estranho. Acho que não tô muito bem. Será que você poderia ir embora?

— Eu fiz alguma coisa errada? — ela perguntou, triste.

— Não, nada. É que. — respirou fundo. — É essa sua fantasia.

— Achei que tivesse gostado dela — agora, parecia furiosa.

— Gostei! É que ela é, sei lá. Realista demais. Me faz lembrar de quando eu era criança… Você tá vestida de que?

— Da Mulher Sem Olhos — disse seca, como se fosse óbvio.

— Da Mulher Sem… Não. Não, não, não. Que brincadeira é essa? A Mulher Sem Olhos era o monstro que ficava escondido no meu guarda-roupa, que me assustava e não me deixava dormir. Ela ficava repetindo, a noite inteira…

— Devolve meus olhos?

— Isso! “Devolve meus olhos, devolve meus olhos”. — Danilo estava gritando. — Como você sabe disso?

Então, Danilo observou, apavorado, o rosto de Íris se transfigurar naquele rosto inumano, de sorriso sardônico e sem olhos que infernizou sua infância. Seu coração palpitava, estava paralisado de medo. Ouviu uma voz gutural gritar:

— E VOCÊ NÃO VAI DEVOLVER?


***


— Bom dia, seu Afonso! Dava para interfonar pro Danilo e avisar que eu tô subindo, por favor? Tentei ligar, mas não consigo falar com ele.

— Bom dia, dona Mabi! A senhora está de volta?

— Não, vim só buscar minhas coisas.

O porteiro disca o número no interfone e aguarda.

— Ô, dona Mabi. Ele não tá atendendo não.

— Mas será possível que esqueceu? — Mabi revirou os olhos, impaciente. — A gente combinou ontem! Será que eu posso subir lá, seu Afonso? É rapidinho.

— Pode ir sim, dona Mabi. Sem problemas.

Agradeceu e subiu. Ao chegar no 703, encontrou a porta destrancada.

— Ué… Dan? — chamou e foi entrando no apartamento. — Danilo?

Mabi avistou Danilo sentado no sofá e ficou furiosa. Reclamou enquanto fechava a porta.

— Ô, Danilo, que brincadeira é essa, hein? Seu Afonso interfonou pra cá e você não atendeu. Eu também te liguei, e nada. Quê que foi, hein? — Silêncio. — Danilo. DANILO.

Mabi aproximou-se, preocupada. Quando chegou perto, viu, aterrorizada, que Danilo estava morto. Apenas dois buracos testemunhavam o horror na face de Mabi: seus olhos haviam sido arrancados.

— AAAAAAAAHHHHHHH!!!


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