2º PRATA DA CASA | CONHEÇA OS SEMIFINALISTAS: ELEONORA SZASZ CAPESTRANI — CATEGORIA CRÔNICA
- Casa Brasileira de Livros
- 15 de jul.
- 3 min de leitura

SOBRE A AUTORA
Eleonora Szasz Capestrani nasceu em Budapeste, Hungria, onde se formou historiadora antes de deixar o coração seguir viagem. Morou na Inglaterra, onde conheceu o marido, até desembarcar no Brasil, país que, há mais de dez anos, chama de lar entre muitos outros lares possíveis.
Vive nesse espaço entre países e culturas, onde se sente estrangeira e parte ao mesmo tempo. Escreveu um memoir em inglês e vem se desafiando e se divertindo a criar crônicas em português, essa língua que abraçou mesmo sem ser sua de nascença.
Surpresa e feliz por estar entre as semifinalistas do 2º Prêmio Prata da Casa, sente-se ainda mais motivada a seguir contando histórias. Atualmente mora no interior de São Paulo com o marido e dois gatos, é professora de inglês e mãe de uma filha “bras-húngara” e poliglota, que a inspira todos os dias a ver o mundo com novos olhos.
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
Páreo Pro Croissant?
“De onde você é?” A pergunta vem do nada, mas vem. Sempre vem. No mercado, na fila da padaria, na sala de espera do dentista. Brasileiro adora puxar papo. E, olha, eu admiro essa curiosidade genuína. O problema é que, quando respondo, o caos começa.
“Hungria,” eu digo, com meu melhor sorriso, aquele que já carrega o “lá vem...” automático. “Ah, Europa!” respondem, olhos brilhando. “Budapeste é linda, né?” É, realmente, é. Mas não é isso que eles querem saber. Na cabeça deles, falar “Europa” já me coloca em outra prateleira. Croissants, castelos, férias em Ibiza. Aquele glamour todo.
E aí me vejo na encruzilhada mental: dou aula de geografia ou deixo eles com a fantasia? Porque a Hungria não é exatamente o cenário de um comercial de Aperol Spritz, entende? É mais... vodka no copo de água, e aquele charme pós-soviético, que, sejamos sinceros, é quase um filtro do Instagram, só que triste.
Mas, claro, eu não falo isso. Sorrio, aceno e deixo o “Europa chique” seguir o fluxo. Melhor assim. Eles não precisam saber que sou europeia “daquela” Europa – onde ser branco não é sinônimo de ser rico. Onde minha educação “privilegiada” em história e línguas me trouxe, ironicamente, para ensinar inglês em um país que pensa que só os americanos fazem isso direito.
“Ah, mas você é privilegiada,” me dizem. Claro, sou. Não passo fome, tenho um teto sobre minha cabeça. O que mais posso querer, né? Só que o privilégio é relativo. Aqui, eu sou europeia, gringa, quase exótica. Lá, eu era... normal. Nem rica, nem pobre. Nem aqui, nem lá. No limbo das caixas sociais.
E no meio dessa conversa interna, vem o estalo: “Então, na Hungria, vocês comem o quê? É igual na Alemanha?” Meu cérebro entra em colapso por uns segundos. Não, querido, não é. A gente come goulash – que, aliás, não é alemão, viu? – e bebe pálinka para esquentar a alma, enquanto alimenta uma dieta rica em pessimismo. Isso conta?
Mas eu entendo. O Brasil é um país onde a gente compartilha tudo – histórias, piadas, até cerveja no boteco. Como é que eu explico que venho de um lugar onde compartilhar uma risada espontânea no mercado é quase heresia?
Mesmo assim, amo estar aqui. Do meu jeito, dou risada. Sou a gringa que tenta pedir coxinha sem parecer turista, fala 'valeu' com sotaque de quem tomou um vinho barato na estação de trem de Budapeste. Porque, no fundo, ser estrangeira aqui me faz sentir viva.
Talvez eu nunca caiba completamente em nenhuma dessas caixas. Mas, convenhamos, é mais divertido ser aquele item fora do estoque, incompreendido e um pouco amassado na prateleira do supermercado. Afinal, quem quer ser previsível?
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