2º PRATA DA CASA | CONHEÇA OS SEMIFINALISTAS: FERNANDA STANISCUASKI — CATEGORIA CRÔNICA
- Casa Brasileira de Livros
- 17 de jul.
- 4 min de leitura

SOBRE A AUTORA
Sou Fernanda Staniscuaski, mãe de três guris, docente e cientista, idealizadora do movimento Parent in Science e criadora do perfil “Mas ser Mãe”. Foi a partir da experiência da maternidade que minha forma de ver o mundo e a ciência mudou. No perfil, compartilho reflexões sobre os desafios de ser mãe em uma sociedade que ainda espera que a gente dê conta de tudo sozinha. Falo sobre maternidade, carreira e a urgência de transformar estruturas para que nenhuma mulher precise escolher entre seus filhos e seus sonhos.
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
Antes do Café Esfriar
A maternidade acontece nos intervalos. Nos espaços entre uma tarefa e outra, entre um compromisso e o próximo. Entre o "já vou" e o "espera só um pouquinho". É uma sucessão de pausas interrompidas, de tentativas fracassadas de terminar algo antes que alguém precise de você de novo.
A maternidade é a soma desses espaços.
Antes do café esfriar, alguém chama. Alguém derruba alguma coisa. Alguém briga com alguém. E quando você finalmente lembra do café, já passou tempo suficiente para ele estar intragável. Então você esquenta, se distrai, esquece de novo. O ciclo se repete.
Antes de ser mãe, o tempo era uma coisa concreta. Algo que se media em relógios, agendas e prazos. Agora, o tempo é outra coisa. Um eterno "logo mais". Um ciclo que parece infinito e, ao mesmo tempo, some entre os dedos. Você acredita que terá mais tempo depois, que conseguirá recuperar as horas perdidas, mas a verdade é que o tempo da maternidade não se recupera. Ele escapa enquanto você tenta dar conta de tudo.
Nos primeiros meses, o tempo é um borrão de noites sem dormir, de roupas sujas empilhadas, de fraldas trocadas sem pensar. Você se olha no espelho e não sabe quem é essa mulher que esqueceu como era existir sem uma criança no colo. Há um choque entre quem você era e quem você se tornou, e você se pergunta se um dia voltará a se reconhecer.
Mas o tempo passa.
E então, de repente, os braços já não doem mais de tanto embalar. Os passos deles são mais firmes. Você ganha de volta alguns minutos para tomar banho sozinha. Antes que perceba, já são capazes de colocar o próprio sapato, de abrir a geladeira, de se vestirem sem sua ajuda. De repente, você percebe que eles já fazem tantas coisas sozinhos e que, sem perceber, cada pequena conquista deles foi tirando um pouco da sua função.
E aí vem a parte estranha.
Porque você desejou tanto por esse respiro. Pelo momento em que eles não precisassem de você a cada segundo. Mas quando finalmente chega, você sente um aperto no peito. Um silêncio incômodo toma conta da casa. Você estranha a tranquilidade.
Eles precisavam de você para tudo. E agora já não precisam tanto assim.
A maternidade acontece nesse exato segundo de percepção.
É quando você se dá conta de que passou tanto tempo tentando dar conta de tudo, tentando equilibrar cada prato, tentando manter a casa funcionando, que não viu as pequenas mudanças acontecendo.
Você jurava que ia lembrar de cada detalhe. Do jeito que eles pronunciavam errado algumas palavras, das músicas que cantavam sem saber a letra, das perguntas que faziam sem parar. Você jurava que não ia esquecer. Mas esqueceu.
E um dia, sem aviso, foi a última vez.
A última vez que pediram colo para dormir. A última vez que seguraram sua mão antes de atravessar a rua. A última vez que chamaram você no meio da noite por um pesadelo.
E você não percebeu.
A maternidade não vem com avisos. Você simplesmente segue, fazendo o melhor que pode, tentando sobreviver ao cansaço e ao caos, e quando olha para trás... passou.
E então você percebe que tudo o que parecia eterno na rotina deles se desfez, assim como as roupas que ficaram pequenas de uma semana para outra. O tempo te engana. Ele faz parecer que você ainda tem muito dele pela frente, quando na verdade está sempre escorrendo pelas frestas do dia a dia.
Talvez seja essa a maior armadilha da maternidade: acreditar que sempre haverá mais um dia, mais uma noite, mais uma oportunidade para prestar atenção. Que aquela palavra trocada de forma engraçada será repetida amanhã. Que aquela brincadeira no meio da sala ainda será um pedido recorrente na próxima semana.
Mas a infância deles não pede licença para ir embora.
O tempo é traiçoeiro. Ele nos rouba as versões mais pequenas dos nossos filhos sem que a gente perceba. A cada dia, eles são um pouco menos aqueles bebês que um dia carregamos no colo, e um pouco mais as pessoas que um dia vão partir.
E a gente sabe que é assim que deve ser.
Mas isso não significa que seja fácil.
A maternidade é feita desse constante desencontro entre querer que eles cresçam e querer que eles fiquem. Entre incentivar a independência e se agarrar a cada traço da infância. Entre a felicidade de vê-los conquistar o mundo e a saudade antecipada de tudo o que já foi.
E então, no meio dessa tempestade de sentimentos, vem o alívio: a maternidade também acontece nos momentos que permanecem.
Porque no meio de tudo isso, antes do café esfriar, alguém te abraça do nada. Alguém diz "a melhor do mundo". Alguém deita no seu colo só porque quer ficar perto.
E naquele instante, você sabe.
A maternidade acontece nos intervalos. Nos pequenos espaços entre o que já passou e o que ainda virá.
E antes que o café esfrie de novo, você se permite estar ali.
Porque, dessa vez, você sabe que não há garantias de quando será a última vez.
E então você tenta. Tenta prestar mais atenção. Tenta estar ali, de verdade, não só de corpo presente, mas de mente também. Tenta gravar os pequenos momentos na memória, mesmo sabendo que, em algum momento, alguns deles escaparão.
Tenta porque sabe que, mesmo sem perceber, eles também estão te observando. Estão aprendendo com você sobre presença, sobre amor, sobre tempo.
E enquanto eles ainda te procuram no meio da noite, ainda pedem sua opinião sobre coisas pequenas, ainda te chamam para ver um desenho engraçado que encontraram, você promete a si mesma que não vai deixar esse tempo passar despercebido.
Promete que vai tentar prestar atenção antes que o café esfrie.
Porque dessa vez, você sabe que ele sempre esfria.
Comentários