2º PRATA DA CASA | CONHEÇA OS SEMIFINALISTAS: HENRY WILLFER — CATEGORIA POEMA
- Casa Brasileira de Livros
- 12 de jul.
- 4 min de leitura

SOBRE O AUTOR
Nascido em 1992 na capital mineira e residente no Vale do Jequitinhonha desde 2006, atualmente na inspiradoraDiamantina, confesso apreciador da solitude e da melancolia artística, com formaçãonada poética, dividida entre a TI e a Gestão Pública. Pouco assíduo nas Letras, às vezes brinca com palavras e rimas, amando desafios autoimpostos sobre diferentes temas e idiomas, especialmenteem línguas planejadas comoo esperanto. Tais aventuras resultam em pequenas obras que compartilha comuns poucos excêntricos, sendo o 2º Prêmio Prata da Casa o primeiro grande concurso literário que arrisca(dando enfim conclusão, motivado pelo fim do prazo para inscrição, a um poema que permanecera em hiato por anos), muito após uma experimental e lúdica tentativa no humilde, porém internacional,Belartaj Konkursode 2016.
O POEMA SEMIFINALISTA
O Bêbado e o Profeta
Havia no leste daquele continente
um ousado profeta e velho peregrino,
do deus Akhmazi um servo temente
sempre a apregoar o juízo divino.
Sobre o mesmo solo também vagava
um tolo ordinário, pobre e vagabundo
que de sua casa já nem se lembrava
e apenas bebia, correndo o mundo.
Os dois homens não eram parentes,
não eram patrícios, nem se conheciam.
Ambos seguiam estradas diferentes,
as vilas que visitavam só coincidiam.
O velho profeta tinha autoridade,
a ira de Akhmazi pregava sem medo
e o pecado de cada um na cidade
ele denunciava apontando o dedo.
Enquanto isso, o bêbado bobo
balbuciava o que dava na telha:
zombava da cara daquele povo,
ria de corcunda e de mulher feia.
Os homens temiam a voz do santo
e ofereciam-lhe as casas à noite.
Quanto ao bêbado, jogavam num canto
e o silenciavam com chutes e açoite.
O brado do velho, com eco ruidoso,
enchia as noites, qual grande trovão.
E cada camponês sentia orgulhoso
a honra de ouvir a voz do ermitão.
O bardo ímpio sua lira tangia
entoando odes, sempre embriagado.
O povo com pedras parava a cantoria
de quem interrompia seu sono sagrado.
Debaixo do vate, se amontoavam
p'ra que sua saliva os benzesse ao falar;
e no bêbado cuspiam e escarravam,
pois não o queriam naquele lugar.
Os convertidos entregavam sua vida
e em penitência ao santo serviam,
pois suas mulheres e a melhor comida
os mensageiros de deus mereciam.
Os aldeões logo já se agitavam,
cercavam o boêmio naquelas vielas
e com desprezo então o espancavam
por tomar seu vinho e suas donzelas.
A bênção do sábio os homens pediam
e levavam seus filhos p'ra dele aprender.
E do tolo ébrio tudo escondiam
e nem suas cabras o deixavam ver.
Era sempre assim em toda parada,
até que aconteceu algo diferente:
a vila em que estavam foi saqueada
por uma horda bárbara de repente.
A plebe dali, já acostumada,
buscou refúgio no templo local,
que tinha entrada bem camuflada
para um abrigo feito para tal.
Os dois forasteiros, ó meus senhores!
Nem imaginem quão má sua sorte!
Foram anfitriões daqueles malfeitores
e foram violados até sua morte.
Às portas do Além, o sábio e o boêmio
foram recebidos por um deus estranho.
Logo o profeta reivindicou seu prêmio:
"Servi a Akhmazi e guiei seu rebanho!"
A entidade escutou com frieza
e disse serena àquele homem:
"Não há Akhmazi, podes ter certeza.
Sou o único deus. Zikhmanna é meu nome."
Ante os dois homens abriu-se um portão
e viu-se um bosque de espinhos em chamas,
vermes carnívoros cobriam o chão
e estalagmites serviam de camas.
"Abandona as esperanças ao adentrar",
Zikhmanna disse e depois sorriu
e guiou o atalaia àquele lugar
e o bêbado, atônito, ao sábio seguiu.
O deus estendeu um dos doze braços
e impediu o tolo de cruzar os umbrais:
"Tem tu paciência, não apresses os passos!
vós não tereis destinos iguais."
Um outro portão ali então se abriu
com grades de ouro e pétalas de rosas,
então um jardim impecável surgiu
com musas desnudas e fadas formosas.
"O bem-aventurado, por este caminho,
encontrará o mais divino repouso:
beberá para sempre dos rios de vinho
e nos seios das deusas verterá seu gozo."
O velho santo pôs-se a bramir
e clamou a Zikhmanna batendo os pés
"Aceitei meu destino por não te servir,
mas esse estulto nem sabe quem és!"
O ser superior riu sem maldade
e empurrou o profeta p'ra dentro da mata.
"Eis o momento da suprema verdade
e achas tu que é disso que se trata?
Não sei dizer por qual critério
julga teu deus a obra humana,
mas revelo agora, sem mistério,
como é a balança de Zikhmanna:
Este vadio que só caçoava
e profanava a paz dos demais
do direito alheio ainda lograva,
não gastou um dia seu em nada mais.
Cada ato foi da maior torpeza,
mas era imediatamente vingado.
Logo ele pode gozar da grandeza,
pois chegou aqui com saldo quitado.
No mundo há santos e há embriagados,
foi bem assim que Zikhmanna o criou.
Revelo que tivestes os mesmos pecados,
Mas pelos dele, em vida, ele já pagou.
Tuas ações e as dele são gêmeas,
mas foste isento por fama e crença,
além de não pagar pelas blasfêmias,
recebias veneração e recompensa.
Pois trago a vós a conta fechada:
eis o sagrado guru e o vil bobo;
mas ele a mim não deve mais nada,
enquanto tu me deves em dobro."
Os portões se fecharam. Foi consumado.
Jazem vizinhos paraísos e infernos.
Há pranto e ranger de dentes de um lado
e, do outro, há doçura e prazeres eternos.
Mas nem sempre de opostos é um par,
por vezes, se engana a nossa visão.
Podemos salvar um e outro condenar,
mesmo cometendo a mesma ação.
Como são estimadas as situações,
às vezes, é questão de forma e pretexto.
Pois não vias tu tal qual os aldeões,
lá bem no início deste mesmo texto?
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