PENA DE OURO 2024 | CONHEÇA OS SEMIFINALISTAS: JOSÉ GUILHERME VEREZA — CATEGORIA CRÔNICA
- Casa Brasileira de Livros

- 7 de ago.
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SOBRE O AUTOR
José Guilherme Vereza nasceu em 1953, é carioca, publicitário, roteirista, professor universitário, escritore dramaturgo. Formado em Comunicação, pós-graduado em Pedagogia, tem diploma de Massas e Risotos, capricho para uso estritamente doméstico.Autor de três livros de contos - 30 Segundos, A Primeira Noite de Melissa e A Noite da Besta - , dois romances - Corações Entre Pernas e O Jardim dos Anjos (finalista no Prêmio Rio de Literatura Cesgranrio 2015) - e dois de crônicas - Meu Imenso Portugal e O Cunhal das Bolas, estes últimos editados em Portugal. Na década de 90, participou do Núcleo Criativo da TV Globo, quando, entre outras criaturas, criou a primeira dramaturgia interativa da televisão brasileira: Você Decide. Em 2005, seu conto premiado Relações Postais foi encenado pela Nonada Cia. De Arte com o nome Uma Carta de Adeus, ficando dois meses em cartaz no Sesc Tijuca, e um recorte da peça foi premiado no Festival de Esquetes de Curitiba. Mora em Lisboa desde 2022, onde trabalha com roteiros de áudio visuais e teatro.
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
BICHOS
A campainha da minha morada soa como um carro de bombeiros aflito, um lamento de ambulância, uma sirene de Londres em 1940 avisando das bombas nazistas. Um stress, um escândalo, um choque no sossego. Dizem que é por conta dos tantos velhinhos de audição desgastada que habitam prédios antiguinhos em Lisboa. Sei não. Parece que tais campainhas têm desejos inconscientes de equilibrar a demografia provocando ataques cardíacos. Toda vez que toca aqui em casa, um salto de batimentos. Um susto. Meu cachorro enlouquece. Já descobriu que vem da porta, contra a qual desfere um ataque de latidos. Não carecia tanta estridência. Bastava um toc toc ou um suave blim blom. Pelo menos não são alarmes falsos. É sempre alguém chegando ou o carteiro avisando que tem coisa na caixa. Certa noite tocou de madrugada. Tremeliquei na cama. Meu cachorro sentiu o golpe, deu de latir como se acordasse o além Tejo. Foi apenas um toque. Um alarmista e desgraçado toque. O que bastou para me levantar, olhar a hora no celular, 03:48, e lembrar de culpas, saudades e temores batendo à minha porta. A madrugada não me é amável, parece que o tempo perde a hora, anoitece a razão, e deixa o breu parado no ar e soberano nos pensamentos. Antes que houvesse o segundo sinal, a coragem me empurrou até ao olho mágico. Ninguém. Fui à varanda para xingar algum gaiato. Se foi, já estaria longe. Com o cachorro mais calmo, percorri a casa e verifiquei que todas dormiam. Nem aí para a escandalosa manifestação. Aos poucos, tudo foi se dissipando e comecei a lembrar de um pesadelo fresco. Tem horas que o imaginário do sono se confunde com o real e até agradeci à campainha de verdade ou fantasiosa, tanto fazia àquela hora, por me livrar de um sonho que, mesmo imemorável, não deveria estar me agradando.
Entre pensamentos suados e batimentos normalizados, olhei meu cachorro que voltara a dormir tranquilo na caminha dele. Feliz, refeito. Pensei o quanto esses animaizinhos são amorosos. Entram no pesadelo da gente como se deles fossem e nos ajudam o nos salvar de tais horrores. A solidariedade dos cachorros é exemplar e comovente. Boa noite, meu bichinho.




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