PENA DE OURO 2024 | CONHEÇA OS SEMIFINALISTAS: LUÍZA GUBERNATI COLLOCA — CATEGORIA CRÔNICA
- Casa Brasileira de Livros

- 9 de ago.
- 4 min de leitura

SOBRE A AUTORA
Meu nome é Luíza Gubernati Colloca, tenho 27 anos e sou de São Paulo.
Tenho formação em jornalismo e cinema, mas minha paixão sempre foi - e ainda é - um dia ser escritora.
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
Dias intermináveis
Mais de dois mil quilômetros me separavam do meu namorado e, depois de dois anos de relação, mas apenas quatro meses distantes, percebi que nossa história não demoraria muito para terminar.
A cada dois dias eu pensava no assunto, mas depois me distraía e seguia minha vida normalmente. Até que a intensidade foi aumentando e, faltando apenas uma semana para ele vir me visitar, o único tema que minha mente sabia pensar era sobre o término.
Com a chegada dele cada dia mais próxima, eu não conseguia encontrar o melhor momento para falar algo tão difícil, principalmente para aquela pessoa que se deslocaria quilômetros de sua casa apenas por mim. Em um misto de culpa e ansiedade, achei que o melhor seria avisá-lo, apenas três dias antes da viagem, sobre o que eu sentia antes mesmo de ele pegar o voo.
Enquanto eu me acabava aos prantos e dava a tal notícia, aquela figura que eu pensara ser tão apaixonada por mim se mantinha um tanto apática, nada surpresa e até positiva. Dizia que a viagem se manteria de pé, iríamos aproveitar e, no fim, cada um seguiria seu caminho. Aquilo me pareceu cruel demais para nós dois e talvez a distância teria nos ajudado a nos esquivarmos dos nossos próprios sentimentos de maneira mais fácil - e superficial, talvez -, mas concordei. Afinal, eu queria que ele se sentisse feliz, apesar de tudo.
Quando ele chegou, tentei ser a pessoa de sempre. Acreditava que por dez dias - o tempo daquela viagem - eu poderia aceitar viver em um relacionamento temporário, com uma vida hipócrita e uma despedida lenta.
Acontece que partes do meu corpo não sabiam conversar entre si e, enquanto minha mente tentava me forçar a sorrir e beijá-lo, minha mão nem sequer suportava encostar na dele e o ato de aproximarmos nossas bocas uma da outra me parecia intragável. Não sei como isso era possível, sentir-me dessa forma com uma pessoa que tanto amei - e talvez ainda amasse -, mas acho que, apesar de tudo, minha sanidade mental nunca esteve tão em dia, pois, diferentemente de como eu era em nosso relacionamento, dessa vez pude me manter calma e aceitar o inaceitável.
No decorrer dos dias, tocar no assunto término começou a ser algo possível e, com isso, fomos acertando internamente - e expondo externamente - como seria nosso futuro a partir de então. O contato entre nós estava cada vez mais distante, até que éramos apenas dois conhecidos dormindo na mesma cama.
Mas ele, aquele homem que antes se mostrara tão entregue e dependente do nosso relacionamento, não demonstrava sinal algum de tristeza. Ele podia colocar um fone de ouvido, ver um vídeo e, nesse mundo irreal - tão irreal quanto o que vivíamos -, dar gargalhadas altas, talvez fazendo questão de que eu ouvisse quão bem ele estava.
Ele me dizia que, quando eu não estivesse em casa - pois eu precisava sair para os meus afazeres -, ele encheria minha banheira e ficaria ali tomando um vinho. Dizia que já havia retirado o meu nome do seu seguro de vida, algo que ele nunca nem sequer me contou que um dia havia colocado. Em sua mala de viagem, ele tirou minhas últimas roupas que restavam em sua casa, roupas de verão que eu jamais usaria naquele país, e eu nunca cheguei a entender por que ele apenas não as deixou na portaria de seu apartamento para que minha mãe buscasse em vez de tê-las ocupando um espaço desnecessário em sua bagagem.
Era estranho ver como aquilo que eu julguei ser tão difícil de comunicar e que me corroía por dentro soava tão normal para aquele homem que esteve comigo e que, até menos de um mês antes, planejava uma vida inteira na minha companhia.
Cheguei a cogitar que o seu bem-estar fazia parte de uma plano maquiavélico, no qual ele esperaria até o seu último dia de viagem para me matar. Isso explicaria o porquê de ele estar tão em paz com aquela notícia. Confesso que até minha mãe chegou a ter medo por mim, mas a verdade é que ele era inofensivo.
O fim daqueles dez dias ia se aproximando e eu não podia estar mais aliviada. Eu achava que, quando ele saísse pela minha porta, junto dele sairia toda aquela angústia e peso que pairavam em mim e no ar. Mas quando o último dia chegou, eu desmoronei. Não tinha estrutura para aguentar tamanha dor de me despedir daquele com quem eu estivera os últimos dez dias junto. Daquele com quem eu estivera meus últimos dois anos junto. Daquele por quem eu me apaixonei, dividi planos, amigos, família, risadas, uma história.
Aquele dia foi mais interminável do que os dez dias de viagem do meu ex.
Depois de uma semana, eu voltei a entender minha decisão e, ainda que eu sofresse vez ou outra pela solidão, sabia que eu tinha seguido minha intuição.
Hoje, mais de cinco anos depois que tudo aconteceu, ele ainda me liga nas madrugadas pedindo para voltar.




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