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PENA DE OURO 2024 | CONHEÇA OS SEMIFINALISTAS: MARCOS CANAÃ — CATEGORIA CRÔNICA

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SOBRE O AUTOR


O baiano Marcos A. F. Martins (Marcos Canaã) é analista judiciário do TJBA, fundador e redator da extinta Revista Apologética Cristã Sã Doutrina, colunista do jornal O Batista Bíblico, ex presidente da Academia Conquistense de Letras e do Centro de Educação e Cultura Nova Canaã - CENOC e ex vice presidente da Sociedade Educadora Florestal. Foi três vezes vencedor do Prêmio Zélia Saldanha de Literatura, promovido pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, e contemplado em diversos concursos nacionais de literatura.



A CRÔNICA SEMIFINALISTA


Temporal de Boas Lembranças


A chuva retornou. Trouxe aquele cheirinho de terra molhada, cantou para despertar as sementes adormecidas no solo ainda ressequido e brindou à estação mais colorida do ano. Veio quase que de surpresa, cheia de manha, fingida e usando suas vestes cinzas, sua máscara opaca, liberando seu hálito refrescante. E eu, seduzido, parei para ouvir seu tinir sobre o telhado da casa, sua voz aguda, a batida da sua percussão, enquanto meus olhos acompanhavam seus passos apressados e desastrosos. A chuva retornou, encenando monólogo e burburinho.


Houve uma agitação preliminar. Uma cortina de poeira e folhas secas parecia preparar o ato seguinte. Em seu processo de gestação, a tarde soltava os primeiros gemidos de dor. Uma mulher, suplicando ajuda à sua filha, apressou-se a retirar as roupas estendidas no varal. Pessoas corriam para alcançar um abrigo ou chegar aos seus destinos. Alheios, alguns pássaros sobrevoavam o céu grisalho com contagiante tranquilidade. A chuva retornou e trouxe paz e inquietação.


Um calor desmedido se lhe antecedeu. De longe, os clarões dos relâmpagos, tais quais flashes de câmeras, fotografaram o momento em que as nuvens densas cerravam as cortinas do céu. Dos rugidos de trovões e batidas dos corações, sobrevieram as primeiras gotas — grossas, mas melodiosas, como se a chuva lesse a partitura do dia e entoasse aquela tão celebrada e temida canção. Sim, a chuva retornou e causou dissonância e harmonia.


Depois do pé d'água, aquele vento refrescante soprou na minha memória. Por um instante, meus olhos ficaram presos à enxurrada, que corria rente ao meio-fio da calçada. As copas das árvores já não sussurravam, embora ainda estivessem um pouco agitadas. Nem mesmo as folhas secas reclamavam da má sorte: seguiam, mudas e conformadas, ao inclemente destino que lhes dava a enxurrada. Algumas gotas risonhas ainda insistiam nas suas brincadeiras juvenis, mas o sol, rigoroso, se lhes opunha e rasgava as nuvens com vigor. A chuva cessou e gerou conformismo e oposição.


Na árida terra da minha memória, houve, então, um tempo de quietude e frescor. Vi-me criança em pequena cidade, em frente à antiga casa da família, brincando com outros meninos. Construíamos barragem feita de aluvião e fantasias. Acima de nós, minha irmã caçula fazia barquinhos de papel que, postos na enxurrada, bailavam alegremente pela correnteza e repousavam na água barrenta da represa. De dentro de casa, ouvia-se o vozerio de mulheres tricotando em costumeiras conversas vespertinas - e suas falas acompanhavam a cadência do gotejar de uma biqueira. Houve uma pausa no bate-papo e eu pude ouvir a melodiosa voz da minha mãe convocando-nos para um lanche. Alegrei-me com tão ternas lembranças, mas não pude evitar que a chuva finda marejasse meus vetustos olhos. A chuva partiu, desfiando novelos e tecendo boas recordações.


De súbito, despertei-me daquele sonho que eu sonhava acordado. Olhei e vi que, da forte enxurrada, restava apenas um filete límpido de água correndo ainda próximo ao meio-fio. Saciados, meus olhos pediram-me para abrir o livro que eu segurava debaixo do braço - e eu obedeci-lhes. Mas, da leitura, minha mente pouco captava, presa que estava àquelas lembranças agradáveis. É pena toda essa chuva, todo esse céu, todo esse sol, todas essas nuvens encharcadas já hajam se passado. Okay! A chuva se foi como o tempo, escorrendo velozmente pela ampulheta do momento eternizado, mas deixou um temporal de boas lembranças e saudades em mim - e isso a enxurrada, certamente, não me levará.


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