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PENA DE OURO 2024 | CONHEÇA OS SEMIFINALISTAS: NATHALIA OLIVEIRA — CATEGORIA CRÔNICA

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    Casa Brasileira de Livros
  • há 7 dias
  • 4 min de leitura
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SOBRE A AUTORA


Nathalia C. Oliveira é natural de Limeira (SP) e atua há cinco anos como professora de Língua Portuguesa e Redação pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Formada em Administração Pública e em Letras, acredita no poder das palavras como instrumento de transformação individual e coletiva. Incentiva e participa ativamente de concursos literários com alunos da rede pública, tendo conquistado colocações em iniciativas como o Concurso de Redação da Marinha do Brasil (Operação Cisne Branco), o Concurso da USTL e o Cidadão de Poesia.




A CRÔNICA SEMIFINALISTA


Dona Casmurra


Junto às estimadas e aguardadas férias de julho, comecei a ler “A caminhada da meditação com Tadashi Kadomoto”. Já havia tentado praticar a arte da meditação e inseri-la em minha vida, no entanto sempre de maneira leviana, jogada e descompromissada. A meditação sempre integrou meus projetos de férias, fazendo parte de uma planilha super-elaborada no excel, junto aos planos de estudos para concursos e metas de emagrecimento. Como de costume, com o fim das férias, a super-planilha perdia todo poder e toda força de vontade se dissolvia nas primeiras semanas da faculdade e do trabalho. Porém, leitor, ouso afirmar que nem tudo está perdido…

O livro de Kadomoto tem provocado reflexões dolorosas, pensamentos cruéis demais para serem suscitados, verdades que elegemos para nós mesmos, mas reduzidas a sombras que ocultamos em um cantinho escuro e esquecido. Verdades vivas e reprimidas nos confins de nossa memória de tão cruéis que são. Após dezesseis sessões de meditação, o tal livro tem desterrado de meu inconsciente uma verdade que dói demais e que, portanto, resolvi trazer à tona. 

Acredito que não tenha ficado óbvio ou visível antes por conta de meu orgulho – sou extremamente orgulhosa – mas um ocorrido de dois anos atrás ainda sangra em minha alma. Sinto como se estivesse na confissão da igreja. E olha que não sou religiosa; ainda assim, é como se estivéssemos em um confessionário… É evidente que sofro, entretanto posso assegurar-lhe: eu não pequei. Tudo que fiz foi amar em uma proporção ardentemente infinita. Amei segundo a descrição de Camões; sentia arder e queimar, mas não havia fogo. Eu só amei, amei, amei… e depois que o fogo inexistente se apagou, notei que venerei uma criatura perversa e má. Percebo que sinto falta da sensação, do sentimento, “do amor que arde sem se ver”, porém não há nada no mundo que me faça perdoar Eduardo… 

O maior crime de Eduardo, apesar de todas as coisas horrorosas que fez, foi jogar-me na eterna dúvida. Não sei se consigo descrever aqui os horrores que meu ex cometeu. Acho que o pior de tudo foi ter executado coisas horrendas com frieza e calculismo. Fui traída. Chifrada. Corna. Enganada. Contudo, acredite, não são os chifres que mais doem. 

A obra de Kadomoto, após dois anos de meu término com Eduardo, me leva a escrever sobre os abismos mais profundos da alma. Creio que esse era o objetivo do livro, todavia não estava de fato preparada para encarar monstros tão desfigurados e tristes. Eduardo terminou comigo por telefone. Após nosso término, fiquei sabendo das outras. Muitas. Várias… Tudo começou a se encaixar, sobretudo aqueles comportamentos estranhos que eu não sabia explicar. Entendi que ele tinha uma espécie de ritual com todas as mulheres que mantinha, levando-nos para os mesmos locais, dizendo as mesmas coisas, dando os mesmos presentes… No entanto, não é isso que dói mais. 

O que me envenena, assombra, tira meu sono, corrói meu espírito é a dúvida. O tipo de dúvida que me faria encarar meu fantasma para indagar: “alguma vez foi real? Alguma vez foi sincero?”. Confesso que Eduardo era a prova viva de que eu poderia ser amada. Confesso que Eduardo era a evidência de que eu também poderia ter uma família. Confesso que, para mim, aquele monstro era o comprovante de que eu, apesar do jeito recluso e difícil, também poderia ter um par. Por isso, a ânsia sufocante para perguntar: “alguma vez verdadeiramente me amou?”. Sou uma mulher metódica, ansiosa e orgulhosa que até o momento vem sufocando esse questionamento primordial para compreender meus sofrimentos. 

O pior crime de Eduardo, o traste, foi ter me lançado na dúvida eterna. Foi amor? Não foi amor? Conjuro-me em uma espécie de Dona Casmurra, condenada a sempre reviver memórias amargas em busca de argumentos. Se sou Bento Santiago, Eduardo certamente não é Capitu. Sou Bentinho porque atolei-me em uma incerteza infinita e melancólica da qual não consigo sair. Tenho provas dos pecados do meu ex-namorado, logo minhas dúvidas são de outra natureza. Envolta em melancolia, quanto mais penso sobre a obra de Machado, mais me obstino quanto à sua essência: a incerteza de amor dos indivíduos inseguros. Teria Bentinho sentido exatamente as minhas angústias? Teria feito as mesmas perguntas, amargurado-se com a impossibilidade de que alguma pessoa ou entidade pudesse eliminar suas dúvidas,  torturado-se com a ideia de que morreria sem respostas? Por fim, há uma certeza: outros cornos, mergulhados no transe da meditação, se identificaram com o romance. 

É claro, os versos de Camões devem ser alterados para melhor se adaptarem aos meus medos e anseios. “Amor é um fogo que arde sem se ver. Amor é um fogo cuja fumaça nos cega”. Sei que é uma adaptação amarga, leitor. Seja como for, meu objetivo era fazer uma confissão, não poupá-lo de meu drama. 

  


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