PENA DE OURO 2024 | CONHEÇA OS SEMIFINALISTAS: WALDYR COLLOCA JUNIOR — CATEGORIA CRÔNICA
- Casa Brasileira de Livros

- 12 de ago.
- 2 min de leitura

SOBRE O AUTOR
Meu nome é Waldyr Colloca Junior, nascido em São Paulo, capital, e tenho 57 anos.
Sou advogado por formação, diletante por vocação e beletrista por aspiração.
Escrevo como vivo: oscilando entre o prazer e o dever - ora tentando me encontrar, ora buscando não me perder.
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
TEMPOS RUIDOSOS
De repente, quando tudo era feito de silêncio e breu, despertei com um sobressalto, desses que herdamos dos nossos antepassados. Apesar do espanto, sabia perfeitamente onde estava: num ponto equidistante entre o Mar de Drake, o Vale da Morte e a Faixa de Gaza. Num lugar onde não se dorme e as horas nem sequer são contadas.
Tentei capotar de novo, mas uma estranha voz ressoava nos meus ouvidos: “Você vai falar, você vai falar.” E, mesmo enquanto a minha vontade suplicava que a minha mente calasse a boca, a minha própria boca repetia, hesitante: “Eu vou falar, é claro que eu vou…”
Era uma luta vã. Ondas gigantes contra um singelo saco de areia. Era impossível evitar. Cada palavra que eu diria ia e vinha, entrava e saía pelos sete buracos da minha cabeça. Ora de trás pra frente, ora fora de ordem, e, de tanto repeti-las, eu já nem sabia mais o que elas significavam. Só sabia que eu precisava falar.
Senti o suor encharcando o lençol e as paredes do quarto apertarem ao redor da cama. Embora decidido, a simples perspectiva da fala me angustiava, como se, na hora da verdade, eu não fosse me fazer entender. Ainda assim, eu falaria. “Eu não vim aqui para não falar, eu não vim aqui para não falar”, bradaria eu a qualquer um que tentasse me impedir.
Virei pro lado da porta, meti o travesseiro entre as pernas, mas logo me arrependi e, dobrando-o atrás da cabeça, à guisa de almofada, liguei a TV no exato momento em que um velho xerife, bacamarte em riste, vociferava: “Você vai falar ou não vai?” Ora, é claro que eu ia. Eu tinha que falar. Fazia quase uma semana que eu vinha me preparando pra isso. Contava, porém, com uma boa noite de sono para me sentir mais seguro.
No entanto, lá estava eu, capitão da meia-noite, repetindo com falsa intrepidez as palavras que eu havia escolhido com tanto esmero e dedicação. As palavras eram verdadeiras pepitas, as frases, legítimos diamantes, mas o assunto era acidentado e pedregoso, daí a importância de abordá-lo com aquelas — e não com outras — palavras. Pois se as palavras fossem alteradas, a mágica da comunicação talvez não acontecesse.
Desliguei o rádio, dei um rolê pela casa, fucei armários e geladeira, depois voltei pra cama com um gosto de metal e chocolate na boca. Naquela altura, porém, com a minha mente a pino e a barra do dia sendo rompida de fininho, eu já não tinha sequer vontade de ter vontade de dormir. Só de falar, falar, falar.
E quando o grande momento — o momento de transformar-me em verbo — finalmente chegou, o alarido era grande, e o meu coração, pura adrenalina. Mas assim que as luzes se acenderam, a minha língua estalou e ninguém deu nem ouviu mais nem um pio.




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