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PRATA DA CASA | CONHEÇA OS FINALISTAS: LEANDRO CARVALHO

Foto do escritor: Casa Brasileira de LivrosCasa Brasileira de Livros



SOBRE O AUTOR


Leandro Carvalho (1989, Santos/SP) é poeta e professor de escola pública. Licenciado em Pedagogia e Bacharel em Sistemas de Informação, reside em Praia Grande, no litoral de São Paulo. Participou de antologias de poesia pela Casa Brasileira de Livros, pela Vira-Tempo editora e pela Manuscritos Editora. Também colaborou com seus poemas em revistas digitais. 

Em 2023 publicou, "O mundo pelo espelho", seu primeiro livro de poesia, pela editora Mondrongo.

Mais sobre o seu trabalho pode ser acompanhado pelo seu perfil no Instagram: @leandro.lecarvalho


O POEMA FINALISTA


Sobre areia


“A nuvem, quando vem, é caos ou sorte?

É vento que desola e desanima,

ou brisa que alivia e faz mais forte?”


O mundo revirou. Com chão acima,

diante de um abismo a céu aberto,

procuro algum farol que o breu suprima.


De toda estrada, seja longe ou perto,

ao término do passo, só areia.

Passado algum deserto, mais deserto.


A nuvem que se achega, que rodeia,

levanta mais questão do que palpite,

faz do silêncio um canto de sereia.


Como quem toma às mãos a dinamite

e tenta, em desespero, junto ao peito

conter rebentação, algum limite,


calei bem preso, ainda que sem jeito,

o espanto que da nuvem se alargava.

O esfumaçar da areia e seu defeito.


Aquilo que a feição não declarava

era cobrir a nuvem com peneira,

fingir não ver o anseio que me olhava.


Se a face se mostrasse verdadeira,

se eu fosse transparência, e não espelho,

veriam espalhado, qual poeira,


prostrado, derramado em meus joelhos.

Mas é tarde... a nuvem já pousara,

murando o meu olhar dos mil conselhos.


Da luz que o firmamento inteiro aclara,

restou, talvez, um pouco mais que o ontem.

Lembrança pelo chão de outro Saara...


Ainda que as montanhas já despontem,

o fim da nuvem foge, é inimigo

– não sei se vem até que os céus desmontem...


“Esquece esse deserto”, penso, e sigo,

“um sopro só, transforma toda a areia

em mares de oásis... em jazigo...”


A nuvem me persegue. A tarde é cheia.

Prossigo sem propostas ao decréscimo

do sol que o horizonte delineia,


embora, agora veja só um décimo...

Tirei fotografias com a memória

pra quando me viesse um dia péssimo


como este, em que as nuvens mais simplórias

cortinam as lembranças tão singelas

da estante, as medalhas que são glória


de outros dias, dos dias de mazelas

minoradas. Distantes ameaças,

pouco vistas ao longe, nas janelas...


difusas, distorcidas nas vidraças

do passado. Um tempo em que reinava

a paz que dispensava das couraças...


Mas as fotografias, como escravas

do apego aos fartos dias de saudade,

se rendem ante a nuvem que baixava,


se apagam frente ao fim da claridade

que se instalou e, agora, se espreguiça

no manto de areia-insanidade.


A areia do deserto é movediça,

e enquanto ela me agarra o tornozelo

me esforço a destacar-me das carniças


que forram todo o chão de sangue e pelos.

A areia seca o ar e seca as mágoas

tornando mais difícil esquecê-lo.


A sede é de poeira, não de água;

a areia é como espelho em minha fronte.

Se havia em mim semente, agora estrago as


que restaram em busca do horizonte,

ferindo a íris para inspecionar;

sem nada ver ali que o sol me conte…


As horas andam sem me esperar

e sem deixar seus passos descobertos,

me largam à deriva no seu mar


de areia. “Veja, o monte está mais perto...

Agora falta menos que faltava...

Quem sabe seja o fim desse deserto?...”


Da corda que meu peito agasalhava,

me agarro ao fio restante de uma crença

como à última flecha numa aljava...


Avisto o pé do monte e sua presença.

Levanto os olhos, mesmo que exaurido,

a ver o quanto essa montanha é imensa.


Persisto em passo, ainda comedido.

Diante desse apelo gigantesco,

um convite não feito é respondido.


A areia vai tornando-se em afresco,

e a cada novo passo, mais se avista

um Gênesis sem par nem parentesco.


“Ganhar todo horizonte? Vã conquista...

o Monte vem a ver o que fazemos

em nossas pobres torres de ametista.”


Caminho sobre o mar do que perdemos

pilhando nossas pedras com orgulho

do que é quase soberbo e nos atemos.


O Monte me revela em breve arrulho

soprado de seu topo ao meu sopé,

que nada me distingue ao pedregulho.


Tentei fugir da areia. Fui Tomé

deitando o olho junto à fé na libra,

mas incapaz de semelhar Noé.


A voz avança em meu deserto... Vibra

no silêncio esparramado ao redor

da montanha em que o sol se equilibra.


Mais alta, uma verdade, ali, me aborda

e espraia: num deserto há mais vida

que a vida acumulada em duas hordas.


Decerto há nas areias, escondida,

beleza lapidada. Sei que brilha

a graça onde essa areia foi tingida.


E é nela que a montanha me humilha...

De tudo aquilo quanto me falava

jamais se perderá qualquer cedilha.


Vejo um balé da areia em que eu andava.

Não há qualquer palpite, nem questão.

Se foi aquele anseio que me olhava.


Já vi o fim da nuvem, mas foi vão.

Poeira, vento, vãs fotografias...

o que calei, o sim, talvez, e o não...


a sede que senti, dias e dias...

vi tudo aos pés de barro da montanha,

enquanto até seu pico eu prosseguia...


Ali, não cessa o dom que a vista apanha.

“Ah, quanto demorei a percebê-lo...”

Me assento sobre o pó que me acompanha


e escorre dos meus olhos um degelo…




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