
SOBRE O AUTOR
Natural de São Bernardo do Campo, região metropolitana paulista, tentou sem sucesso as Engenharias e parou no serviço público. Está em constante busca formal por sínteses clássico-modernas, bem como por formas que se insinuem no caminho. Participou, com o poema "Emotivo", da Antologia 1001 Poetas, da Casa, e publicou, em 2023, a coletânea lírica Insuferável (Opera Editorial). Já o poema finalista do Prata da Casa integra um projeto (em gestação) que mira em formas contemporâneas de povoar a paisagem épica.
O POEMA FINALISTA
Bellatrix
Tiveste berço antigo, muito antigo
Com Enheduana, Ištar, mais os mortos;
Não tens, porém, a marca dum umbigo
– de infante, teus caminhos sempre tortos.
Conceberam-te deuses, imortal,
Nasceste epos, cresceste junto à lira;
Tua controversa índole, que é tal
Que encontras a verdade com mentira,
Abençoada mentira, abençoada,
Que do Hélicon desceu-nos como regra,
E desde então no mundo tem morada,
E revolta, apazígua, fere, alegra!
Geraras mundo, céu, desolação;
Contaras-nos de heróis e de batalhas,
Jornadas que tiveram, que terão;
Alimentas irmãs, o belo entalhas.
Ao fero inferno escapas, quase ilesa
Das torturas dos ímpios deserdados,
Ganhando o Paraíso e sua beleza,
À humanidade dando novos fados;
Resististe às viagens, descobertas,
Aos mares revoltosos, aos navios,
Levando às costas cruzes, tendo abertas
Nacionais chagas, glórias, atavios.
Lutaste toda guerra – justa, escusa
– sem por isso juntar ouro nem prata;
Teu corpo serve a quem tanto te abusa,
Venceste o ditador e o democrata!
Teu seio traz as máximas; exprime-as,
Somos ouvidos! Vem arrefecer-nos!
Metáforas do Ser, e metonímias,
Vêm e voltam aos reinos sempiternos!
Por vezes tu te escondes, por tua vida,
Por vezes, sussurrada só, ou muda;
Por outras, já bradada e nunca ouvida,
Sem ter humana língua que te aluda!
Pois do homem és, o santo, o pecador,
És do mundo e do céu, trazes refresco;
Quem ouse pela pena te compor
Flertará no sublime e no burlesco.
Vencerás o que for, diva Poesia,
Vencerás mesmo ao veres-te perdida;
Tua morte só virá no triste dia
Em que não mais houver humana lida.
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