SOBRE A AUTORA
Dora é natural de Florianópolis e formada em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e em Produção Fonográfica pelo Centro Universitário Belas Artes (FEBASP). Já participou de duas residências artísticas- "DECONSTRUKT" em Nova York (2019), e Terra Afefé na Bahia (2021). Sua primeira exposição fez parte da Bienal de Curitiba, em 2019. Toca violão, canta, escreve poesia e compõe desde os 10 anos e sempre fez parte de bandas formadas exclusivamente por mulheres, com uma prática de abordagem feminista para amplificar as vozes de mulheres compositoras. (@floresnalua 2013-2017; @banda.em.do 2021; @cheriebanda 2022).
Atualmente mora em São Paulo e seus projetos recentes estão focados em explorar os conceitos de vulnerabilidade, efemeridade e memória. Com discurso que propõe e investiga a desconstrução de conceitos ocidentais e patriarcais do amor, ela dialoga e pesquisa através da escrita; da coleta, cartografia e colagem sonora; e da sinestesia e semiótica nas intersecções entre música, arte sonora, escrita e artes visuais. Seu primeiro E.P. solo está previsto para esse ano (2024) e acompanha uma publicação de artista multidisciplinar.
O POEMA SEMIFINALISTA
coleta sonora
por dora naspolini
nada se faz só
mas tudo só se faz
quando abro a ferida e questiono:
o que ando escutando em minha vida?
a respiração do universo enigmático?
a repetição permanente do recorrente,
diferente até um ponto,
que parece um som estático?
um tempo ou ritmo coletivo padrão?
(que reproduz a natureza)
um tempo espiral circular?
(que insiste no contínuo)
a suspensão das noções temporais na ação?
um contraponto atonal no tonalismo?
o buraco negro da existência intrínseca?
o vazio absoluto?
o receber com a mão aberta?
o "recolher-se" mas em qual reduto?
um padrão que não é um padrão sendo esse um padrão não-padrão?
esculpir o tempo?
a curadoria do consumo? a perda da aura?
a patologia da incomunicação?
a dinâmica mercadológica dos relacionamentos?
o centralizador e ofegante relato unilateral da história?
a verdade absoluta?
a não-memória?
a representatividade de minhas escolhas?
a ambiência do tédio?
os ruídos da solitude?
os barulhos da paixão que devora?
os chiados que meu corpo produz, insalubre?
a moradia que construo no imaginário?
o silêncio ruidoso da cidade?
a música silenciosa da natureza?
ou o fazer pela metade?
o espaço entre os olhares cotidianos?
o respiro entre bocas que se encostam com rotina ou sem?
a voz que grita por espaço ou atenção?
o cultivo dos pensamentos em ebulição?
o eufemismo em remoinho etéreo?
o unbewusste da psicanálise?
o inconsciente contraditório?
o consciente coletivo dentro de um cálice?
os desejos pulsantes em repressão?
a dificuldade em suportar uma série de dias belos?
a transferência do analista? o complexo de édipo?
o espelho? a especulação?
a contingência da fotografia?
o que vemos e o que nos olha?
o rizoma temporal?
o rizoma que propõe revolução?
o livro que é feito de rizoma? o kairos oriundo?
quimeras?
a faculdade infinita do saber profundo?
os desenhos com raios de luz?
a sinestesia redundante?
a semiologia universal?
os órgãos de cor dos filmes mudos?
a música que amacia os olhos?
o processamento sonoro?
uma caminhada? uma escultura?
um ódio?
um objeto suscetível e flexível?
um objeto concreto?
uma sinfonia aquática?
uma serenata para o sol?
uma partitura para a lua?
o som do interminável ciclo das águas?
a subjetividade absoluta?
um teatro de máscaras?
o segredo do amor-monstro?
a morte da pose?
a realidade do passado?
o sujeito que "esteve ali"?
a angústia da ausência?
a ambivalência do mistério?
a cartografia da escrita?
a dissolução de um império?
a multiplicidade das cadeias semióticas?
os decalques do capitalismo tardio?
um mapa que performa?
as linhas a serem traçadas?
a curiosidade que faz ruptura?
o corte na raiz da árvore?
o velho homem rio?
o som da correnteza?
as flores murchas? as folhas vivas?
a destruição?
um barulho branco?
um sussurro preto?
um canto alto?
um beijo lento?
um ritmo quebrado?
um ritmo veloz?
um ritmo veloz e depois calmo?
o "estar sob uma estrela pequenina"?
o ciúme inerente do imaginário possessivo?
o rio infinito da criação?
o gemido baixo do escondido?
o autoconhecimento como sinfonia?
o manifesto subversivo?
o esforço do sonhador? a orquestra oculta da alma? o ranger? o tanger? o bater das asas? o chove da chuva? o fenômeno intelectual do poente? a nossa senhora do silêncio? o esquecimento ancestral? o aprender a existir? a moral que virou estética? a liquidez dos encontros apaixonantes? o crepúsculo das disciplinas? o essencial que é invisível aos olhos?
o querer ser sempre infante?
a brincadeira da saudade?
a escolha entre sonhar e viver?
ou destruir obras de arte?
a criança e o velho que cantam no mesmo tom?
o elogio da loucura?
o livre arbítrio? o banquete?
a caverna? o jantar? o almoço?
a pausa pro cigarro?
a marcha industrial?
as máquinas inteligentes?
o estímulo frequente?
a anestesia da validação?
a ilusão do sucesso?
os passos dos animais?
um vitalício abscesso?
um penhasco, uma montanha, um platô?
o capital, o poeta, o leitor?
o papel em branco?
o papel rasurado?
o rascunho?
o papel amassado?
as "tardes de ouro para harpas dedilhadas?
as vozes celestiais de vozes finas?
as aparições iluminadas?
as tardes para quebrantos e surdinas?
as harmonias da cor e do perfume?
os salmos, os cânticos serenos?
da alma do verso, pelos versos cantem
a antífona rasura?
em nossos ocupados terrenos?"
sonoramente, luminosamente
os santos?
os óleos do luar envolto?
a lubricidade? a viscosidade?
a mente que traduz tudo o tempo todo?
o canto das sereias? a escrita no diário? a leitura diária?
a flor do mar, a lua do mar, os tubérculos?
as sinfonias do acaso?
as ondas melódicas?
a melancolia?
as ondas serrotes?
as brancas sonoridades das cascatas?
o sangramento que não fecunda?
a onda quadrada?
a serpente moribunda?
os raios, os astros, raízes, estrelas cadentes?
o mel e os acordes involuntários?
as sonatas de lembranças indecentes?
o farol, a distância e o navio no horizonte tresvario?
para castigar os crimes e oprimir os vicios?
os instrumentos que tocam sozinhos?
pra ajustar o leme? acertar os pontos? adiar inícios?
pra sair de fininho?
as lágrimas salgadas?
os cabelos ao vento?
um admirável mundo novo?
uma sorte ou um relento?
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