SOBRE O AUTOR
Henrique Fendrich é cronista, jornalista e editor de texto. É autor de três livros de crônicas, o mais recente "Terrível encontro comigo mesmo". É editor da revista digital RUBEM, única publicação voltada especificamente a textos, notícias e resenhas de crônicas.
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
LUZES DE NATAL
Acendo as luzinhas de Natal – as da árvore e as da janela. Sei, por experiência, que as luzes só podem ser acesas depois que a janela estiver fechada. Do contrário, a casa será tomada pelos insetos e precisarei dormir na rua. Não podem ver uma luzinha, esses insetos. Ficam doidos voando ao redor dela. Fecho a janela e depois de um tempo observo: lá estão eles, às centenas, batendo desesperadamente no vidro. “Me deixa entrar”, chego a escutar de alguns.
Como geralmente passo essa data sozinho, o leitor há de me desculpar se eu confessar que me detive a pensar em insetos noturnos na Noite de Natal. Lembrei-me de um poemeto do Jaroslav Seifert – esse Nobel desconhecido – em que ele coloca Thomas Edison, o inventor da lâmpada, como salvador das borboletas noturnas, que agora podem agitar as asas em torno da luz de uma lamparina qualquer. Creio, porém, que a lâmpada foi a perdição delas.
Como a luz artificial é algo relativamente novo, ainda não se sabe exatamente o que faz com que esses insetos sejam atraídos por ela, mas há uma teoria de que eles a confundem com a Lua – o satélite que, entre outras funções, serve como ponto de orientação. Li isso e fiquei pensando em como deve ser triste confundir a Lua com uma lâmpada, ou mesmo com essas luzinhas de Natal que coloquei na janela. São bonitas, não nego – mas perdem para a Lua.
Também pensei que a gente, que em tese não é tão bobo assim, muitas vezes age da mesma maneira. Vemos uma pálida iluminação, criada por outros humanos como nós, e já saímos a gritar: “Eu vi a Lua! Eu conheço a Lua! Eu sei a verdade sobre a Lua!”. Tente dizer a uma dessas criaturas que não se trata da Lua, mas de uma luzinha de Natal! Estamos desesperados pela iluminação que só vem da Lua e, cegos, aceitamos o primeiro brilho que nos aparecer.
Hoje, dia de estrela de Belém, é uma boa ocasião para se falar da luz. Diz o apóstolo João – o mais amado – que o menino nascido naquela noite era luz – e, por ser luz, iluminava todos os que vinham ao mundo. Funcionaria mais ou menos como um Sol (a própria Lua, se brilha, é porque reflete a luz do Sol). Dizem que o menino faz isso com as pessoas, reflete nelas a sua luz própria, e então tudo vira uma grande luminosidade, que é outro nome para o amor.
Crenças à parte, parece evidente que essa luz já não chega até nós de forma direta. É como se tivessem colocado uma série de barreiras entre nós e a fonte da luz. Senhores importantes construíram teorias, teologias, templos, tradições e talvez outras palavras com T ou sem T, mas significavam todas mais ou menos o seguinte: “Eu sei como é que a luz funciona, eu sei o que você precisa fazer para que a luz realmente o ilumine, não se engane com outras luzes”.
Toda essa estrutura pretende evitar que confundamos a Lua com a luzinha de Natal, mas é realmente possível garantir que não estejamos todos errados? Querendo nos dizer como é a Lua, afastam-nos do Sol. Somos iluminados por alguma coisa – se natural, se artificial, não sabemos, mas, se nos perguntarem, garantiremos que é a Lua. Bolas, somos como mosquitos a esvoaçar doidamente ao redor de um lampejo que nos pareça um pouco mais convincente.
Isso tudo, é claro, também é filosofia e não importa o mínimo para a realidade das borboletas e demais insetos que batem no vidro da minha janela. De maneira prática, essas luzinhas de Natal contribuem para a morte deles – podem morrer por exaustão, tão excitados ficam com aquele brilho, e predadores (como morcegos) se aproveitam ao ver aquele banquete reunido. A invenção de Thomas Edison, portanto, não é uma unanimidade entre as espécies.
Já passa de uma da manhã. O menino nasceu. Os insetos morreram.
Apago as luzes.
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