SOBRE A AUTORA
Olá, sou Elisa Grosner. Nasci em Salvador – BA, onde fiquei até concluir a formação em Psicologia. Desde muito pequena aprendi a gostar de ler, viajando pela pequena biblioteca que tinha em casa. O que mais gostava era fazer pesquisas nas enciclopédias, um mundo a ser descoberto. Mas tinha acesso também aos mais diversos tipos de leituras que meus pais escolhiam para eles. Tenho viva a memória de um livro de capa dura rosa e dourada que me encantava. Não lembro o seu conteúdo. Que pena!
Mudei-me para Brasília ainda muito jovem e aqui continuei os estudos, fazendo mestrado na UnB e iniciei o trabalho na área de psicologia clínica.
Há pouco tempo, já com 67 anos, tenho me aventurado na arte de escrever. Gosto de pensar que posso suscitar emoções nas pessoas que eventualmente venham ler um texto meu, pois tudo que escrevo carrega um pedacinho de mim mesma. Mas, ao contrário de me sentir vazia após escrever, fico cada vez mais plena. Este é o milagre do compartilhamento.
Participar do concurso Prata da Casa foi um desafio e uma grande alegria. É uma honra estar entre os finalistas na categoria Crônica.
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
NA SALA DE ESPERA
No mês passado completamos 40 anos de casados, eu com 67 e ele, Leocádio, com 78. Nesta idade os passeios mais frequentes são as idas aos médicos. Toda hora tem uma revisão ou uma dor precisando de cuidados.
Acompanho o Leocádio a todas as consultas: cardiológicas, dermatológicas, ortopédicas... A única exceção é o urologista. Vou até a sala de espera mas não entro. Considero que todo mundo precisa de privacidade com seu urologista.
Já na recepção é um constrangimento. Ninguém se olha direito. Não é assim na espera do obstetra, por exemplo. Todas as mulheres conversam, perguntam de quantas semanas estão, querem falar sobre o berço, as roupinhas do futuro bebê, onde compraram isso ou aquilo. É mesmo uma festa. Enquanto no urologista, silêncio.
Nesse dia, estávamos lá esperando, no urologista. Havia três homens e uma senhorinha de bastante idade que parecia bem simpática. Todos calados, usando os seus celulares para abstraírem. Mas a senhorinha não estava com o aparelho, folheava uma revista qualquer, com o mesmo propósito.
As atendentes, eram duas, uniformizadas, falavam baixinho e transpiravam competência no seu trabalho de discrição.
Depois de mais de uma hora de espera, tendo saído e entrado alguns dos homens pacientes, enquanto a senhorinha continuava lá com sua indefectível revista qualquer, chamaram o Leocádio. Ele levantou-se e entrou no consultório. Eu aproveitei e fui ao banheiro, já bastante entediada.
Ao sair do banheiro, me deparei com um caos naquele lugar que antes parecia uma biblioteca. Fiquei parada em frente à porta para entender o que estava acontecendo.
A sala onde Leocádio tinha entrado estava de porta aberta. Meu marido, sentado diante do médico, falava sem parar: – Não é ela, não é ela... Pessoas se amontoavam no pequeno espaço entre o consultório e o banheiro. As duas atendentes discutiam alto, perderam a compostura. Os pacientes que esperavam se levantaram para se aproximar e compreender o vozerio.
Fiquei assustadíssima sem entender nada. Com cuidado, fui andando devagar em direção ao consultório com a intenção de resgatar meu companheiro que claramente fazia parte do fuzuê.
Passei pelas atendentes que me fitaram com olhos arregalados, como se estivessem vendo um fantasma. Os homens já tinham preparado as câmeras dos celulares pois achavam que ia haver escândalo. Olhavam-me com reprovação e um deles falou em voz bem audível e muita convicção: – Esta é a amante.
A senhorinha da revista saiu de dentro do consultório meio perturbada. Passou por mim de cabeça baixa, era a única pessoa ali que não me olhava. Nessa hora, meu sangue ferveu. Nem eu, que sou a esposa, entro na sala do urologista com Leocádio! O que a senhorinha não tão simpática estava fazendo lá dentro?!
Senti o rosto quente e minha passada não era mais cuidadosa, mas firme, pesada e apressada. Pronta para a guerra. Leocádio continuava com seu mantra: – Não é ela, não é ela...
Quando eu cheguei no consultório, foi o médico, o único que ainda restava com um pouco de sanidade mental, que me explicou.
Enquanto eu estava no banheiro, ele pediu que a atendente chamasse a esposa do seu cliente para participar da consulta. Como a única mulher que estava na sala de espera era a tal senhorinha da revista, ela foi encaminhada ao consultório diligentemente pela atendente.
Confusão estabelecida, na exata hora em que eu saí do banheiro e peguei o flagrante. Arranjaram outra mulher para o Leocádio!
Os homens, vendo que a senhora não teve reação ao passar por mim, retornaram aos seus lugares, frustrados porque a sua teoria da amante não se confirmou. Não tinha nada que merecesse uma foto ou um vídeo.
As atendentes voltaram para atrás do balcão, mais sérias do que nunca.
A senhorinha estava de novo silenciosamente em a sua cadeira, com sua revista, desapontada por ter ficado tão pouco tempo casada com um coroa bonitão e por ter que esperar mais tempo pela consulta.
O médico seguiu elucidando o mistério: tinha me chamado porque meu marido não se lembrava no nome do remédio que ele estava tomando.
Leocádio podia até ter encontrado uma nova esposa, mas duvido que ela fosse capaz de se lembrar do nome do remédio dele: Succinato de Metoprolol.
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