SOBRE A AUTORA
Josefina Moraes Arraut é Professora do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Campina Grande, Paraíba. Realizou pós-doutorado no Center for Ocean-Land-Atmosphere Studies (COLA), nos EUA, foi pesquisadora visitante na Universidade de Reading, Inglaterra (2014). Possui graduação em Física pela Universidade de São Paulo (1998), mestrado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (2002) e doutorado em Meteorologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (2007). Foi investigadora associada do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Investigação Espacial até 2011.
A CRÔNICA SEMIFINALISTA
TAMARINEIRA
A tamarineira enfeitava a calçada da frente da casa e por duas vezes quase sucumbiu às pragas. Minúsculos insetos formavam cavidades no tronco, que se aprofundavam a cada dia enchendo-se de uma massa marrom, feita da própria colônia de insetos, dos seus corpos mortos e dos seus excrementos. Acreditava-se que os insetos se alimentavam da seiva. Ambas as vezes a tamarineira foi salva pela família.
Mãe e filhos chegavam da escola, antes de tudo saudavam a tamarineira. A menina acariciava o tronco, que era liso, macio e deixava-se segurar. Todos os dias a menina ou seu irmão esvaziavam as feridas da tamarineira da sua massa marrom apodrecida, usando uma chave ou o corpo de uma caneta. Desgostavam da matéria intrusa que enfraquecia a amiga. Removiam no intuito de vê-la purificada, mesmo os pais achando que não se salvaria. No entanto o pai por duas vezes limpou todas as feridas minuciosamente e preencheu-as com durepoxi. Passaram-se vários meses de cuidados diários das crianças com as pequenas novas feridas que se formavam e removendo também aquele resto de podridão que escorria por debaixo dos tampões.
A tamarineira surpreendeu a todos. Ganhou viço, cicatrizou de dentro para fora o seu tronco, expulsando de si até mesmo os tampões. Deu muitos tamarindos por vários e vários verões, mostrando que não era, afinal de contas, uma árvore de brinquedo.
Era vista pela menina dessa forma, nos primeiros tempos. A sua sombra escassa chamava a atenção porque não chegava a refrescar. Parecia uma sombra de faz de conta, assim como os seus brinquedos de casinha. Vassoura, batedeira, máquina de costura, aspirador de pó, tinham a forma, mas não a função. Ou tinham um pouco da função, mais para alimentar a imaginação do que de fato para varrer, bater, coser ou aspirar. A tamarineira era uma miniatura de árvore, com tronco fino e flexível, que quase não dava sombra e não produzia frutos. Aguçava a imaginação para a grandeza de uma copa frondosa e transportava para o ambiente escurecido sob o dossel de uma floresta. Aquelas formas desenhadas de folhas no chão, oscilando um pouco ao vento, poderiam estar na borda de uma clareira. Todas as demais árvores, os sons e os odores da selva habitavam os recessos da mente semiconsciente daquela menina, que saltitava aterrissando cada pezinho na sombra de uma folha, depois na sombra de outra, acompanhando o balanço que era do vento tornado em claro e escuro e tentando sentir-se abrigada do sol.
Quando a tamarineira se curou e deu frutos a menina passou a pensar: não é uma árvore de brinquedo, é da sua natureza ter o tronco fino macio e flexível, e ela é forte assim. Deixou de imaginá-la como parte de uma clareira, nas entranhas de uma floresta, por respeito à forma irretocável com que cumpria o seu papel de tamarineira da calçada da frente, enraizando-se tão bem no solo sob as pedras de granito rústico.
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