PENA DE OURO 2024 | CONHEÇA OS VENCEDORES: LUANA DA COSTA BISPO — 2º LUGAR CATEGORIA CRÔNICA
- Casa Brasileira de Livros
- há 1 dia
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SOBRE A AUTORA
Nascida e criada no cerrado brasiliense, Luana é atualmente professora, escritora e filósofa. A expressão artística sempre transbordou de dentro de si: desde tenra idade, Luana manifestou habilidade de e gosto por se expressar em desenhos. O hábito de devorar livros como fossem desjejum, fez que, não muito depois, as palavras se tornassem sua ferramenta preferida de comunicação. Após formar-se em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília, morou por dois anos no longínquo norte da Suécia. A apenas quatrocentos quilômetros do polo norte, Luana deu à luz seu filho Theo em 2022. A experiência com a maternidade foi, é e sempre será tão desafiadora quanto transformadora e gratificante, além de uma fonte íntima e rica de emoções, intuições, preocupações, desejos. Em suma, uma nascente infinita de humanidade nua e crua. Em O Parto, um dentre dezenas de textos já escritos por sua mão, Luana artisticamente expressa sua experiência pessoal com o doloroso processo de parir um novo indivíduo e imediatamente iniciar sua introdução à condição humana.
Em outros textos, ela segue questionando os limites da compreensão humana, mostrando como, muitas vezes, as estruturas de poder se aproveitam dessas limitações para criar significados sociais que hierarquizam e limitam. A misteriosa manifestação fractal da realidade, bem como a forma como o discurso humano é elusivo e necessariamente limitado pelo uso do conceito e da palavra, também são temas recorrente em suas produções.
Sua obra abraça também uma perspectiva feminista que denuncia a desigualdade de gênero e a sobrecarga imposta às mulheres, revelando como essas estruturas excludentes também marginalizam as crianças por associação. Ao expor os limites impostos por papéis pré-determinados, Luana demonstra com sensibilidade e clareza que a exclusão não atinge somente as mulheres, mas também os pequenos, impedindo que ambos desfrutem de uma participação plena na sociedade. Embora O Parto se concentre na experiência íntima da maternidade e na força criativa inerente a ela, outros textos de Luana ampliam essa reflexão, convidando o leitor a repensar os significados que atribuímos ao convívio e à liberdade. Inspirada por Clarice Lispector, ela prossegue em uma busca constante por sentido, questionando as convenções e revelando, de maneira apaixonada, mas com equilíbrio, as nuances de uma realidade que clama por transformação.
A CRÔNICA VENCEDORA (2º LUGAR)
O Parto
É incrível como colidimos em cada momento, desmontando cada coisinha justamente para tentar entendê-las inteiras. Naquela maca de hospital, até mesmo eu me dupliquei e, conforme você nascia, roubei ainda mais a identidade do mundo. Cada gota de sangue derramada se tornou um novo significado. Não pude evitar, mas, ainda assim, violei a realidade. Desse momento em diante, o relógio excluiu o presente.
Era 24 de maio de 2022. Você, meu filho, foi cuspido da realidade além da realidade e caiu na existência em quarenta e uma semanas. Em um dia, estava contemplando o vácuo para, no outro, ser expelido desgraçadamente para fora de tudo o que conhecia. Chorou, claro, decepcionadíssimo. Sua lágrima era castanha. Quando você me deu colo pela primeira vez naquele hospital sueco, me vi refletida em sua tristeza macia. Nadei, nadei para fora dos seus olhos, buscando-o, mas eu sabia que eu jamais te encontraria.
– Por que você está chorando? – perguntou a parteira.
Ela falava contigo ou comigo? Pouco importava, afinal eu sou um fractal e você, uma extensão de mim.
– Porque eu não o tenho nos braços, embora ele esteja na lacuna que existe entre as minhas mãos.
Confusa, a parteira sorriu, fazendo uma expressão piedosa. Mal sabia ela que estava tão presa às palavras quanto eu. Essa é a maldição dos seres que criam. Não se deixe enganar, meu filho, você não esteve nu nem mesmo por um segundo. No começo, é o sangue que nos veste inteiramente fragmentados. Solidamente ficamos abstratos e, assim, vestimos novas roupas até o fim da vida. Somos condenados a jamais ser, por isso eu e você nunca nos conheceremos. Estaremos solitariamente juntos, costurados pela nossa ruptura.
Desde que ocupamos a mesma extensão, tentei de todas as formas matar as palavras uma a uma, porque queria desesperadamente tocar sua presença. Esse texto é a confissão da minha derrota, afinal estou ativamente aprisionando nosso primeiro momento no desconfortável e apertado espaço da palavra. Contudo, descobri que, sem o verbo, somos pedras e não dá para existir apenas colidindo uns nos outros. O jeito é nos desfazermos na construção das palavras, matando nossa relação para que a gente possa, enfim, vivê-la.
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